Não basta ao juiz ser imparcial, tem que parecer imparcial

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por AP Advocacia, 16 de Outubro de 2017.

  1. AP Advocacia

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    O título deste artigo nos remete à estória contada a respeito da mulher do imperador Júlio César, para quem não bastaria que fosse honesta, deveria parecer também. O trocadilho é mais ou menos este, com poucas variações.

    Pois bem, e o que tem a ver esse ditado com os juízes de direito? explico.

    Os advogados em geral, mas principalmente aqueles que militam na área criminal certamente já passaram por alguns constrangimentos durante audiências de instrução.

    Não é incomum que estando nos corredores dos fóruns, ao lado dos seus respectivos clientes, os advogados tenham que aguardar o término do bate papo entre juízes e promotores, nas salas de audiência, para somente após esta começar.

    Ao entrarem no recinto se deparam com aqueles operadores comentando a respeito de amenidades, mas também sobre as minúcias das audiências das quais acabaram de participar, o que é deplorável sob qualquer ponto de vista; o advogado que nunca passou por isso que atire a primeira pedra.

    É preciso ficar claro que a amizade entre os ditos operadores do direito deve ser fomentada, como deve ser também a mantida entre advogados, entre estes e aqueles e com os serventuários da justiça - não existe qualquer mal nisto, aliás todos ganham.

    Contudo, se penso dessa forma, por que estou escrevendo acerca daquela amizade e por consequência sobre imparcialidade? Estaria eu com ciúmes por não participar da mencionada relação? Não é isto meus caros e vocês perceberão o porquê.

    O que estou pretendendo demonstrar com este singelo texto é que a amizade entre os operadores do direito não deve adentrar nas salas de audiência, o que não significa que a urbanidade deverá ficar do lado de fora, jamais.

    O problema é que não raro juízes e promotores, quando do início de uma audiência, são pegos conversando sobre questões em geral, como salientado, e sequer percebem, por exemplo, que o réu adentrou na sala. Continuam agindo como se ele ou seu advogado sequer existissem.

    Se a indiferença ficasse restrita aos advogados tudo bem; estes no geral são emocionalmente fortes e em virtude das lutas diárias são talhados para o combate; dificilmente algo os abate.

    A questão, no entanto, é que a maioria dos réus, ao se deparar com aquela íntima relação mantida entre acusador e julgador invariavelmente tem a impressão de que seu caso está perdido, pois acreditam que o juiz não decidirá contra o que foi requerido por seu amigo.

    Isto num primeiro momento pode parecer irrelevante, mas não é, pois ao sistema de justiça se exige um certo distanciamento das partes. Sua credibilidade também depende disto.

    Acreditem, um sistema de justiça desacreditado é ruim para todos e não somente para aqueles que estão sendo julgados. Nem preciso mencionar que qualquer um pode ser objeto de persecução criminal; para tanto basta que se veja envolvido, por exemplo, num acidente de trânsito com morte ou mesmo num caso de lesão corporal decorrente de briga com vizinho; todos são réus em potencial, queiram ou não. Todos, ademais, precisarão ser defendidos por advogados.

    Este texto pode soar estranho aos que não são da área ou mesmo para advogados que não atuam no âmbito penal. Os criminalistas sabem do que estou falando.

    Voltando ao cerne, o problema é que esta relação estreita entre juízes e promotores dá causa a que aqueles, por exemplo, profiram despachos com o seguinte teor: “defiro os requerimentos ministeriais, se existentes”. Esta decisão foi proferida nos autos do processo nº 0207175-17.2016.8.04.0001, o qual tramita no estado do Amazonas, não é invenção.

    Ora, ao agir desse modo o juiz demonstrou uma nítida sintonia com o representante do Ministério Público, prejudicial ao processo e aos cidadãos em geral como expus. Como poderia ele ter concordado com pedidos que ainda não haviam sido efetuados? Percebem a gravidade do problema? Reitero. Estão conseguindo notar a questão essencial para a qual estou querendo chamar a atenção?

    Alguns até poderão mencionar, tendo em vista o teor daquela decisão, que o juiz agiu corretamente, pois se a justiça é cega ele nada mais fez do que deferir tudo sem ver; sob este ponto de vista – risível - até concordo.

    Brincadeiras à parte, o fato é que o narrado acima ocorre principalmente nas comarcas do interior em que o estabelecimento de relações de amizade entre juízes e promotores é mais propícia, mas sob este viés não menos impróprias.

    É por esta razão que afirmo: precisamos de juízes independentes, corajosos, imparciais, honestos - pessoalmente e intelectualmente, e que saibam se portar em audiência de um modo diverso de como se comportam na sala do café.

    Precisamos de juízes que tenham a coragem de indeferir pedidos feitos por promotores, ainda que estes sejam seus amigos de fórum. Juiz não pode ter medo de cara feia; juiz não precisa ter medo de ser perseguido pelo promotor ao indeferir um pedido feito por este, pois a Constituição o defende. Juízes não podem ter medo de ir contra a manada ao inocentar uma pessoa contra quem não existam provas; não podem querer agradar a todos lavando as mãos, pois a magistratura é contramajoritária.

    Ademais, a absolvição muitas vezes se impõe não porque o juiz foi bonzinho com o réu; o decreto absolutório também decorre do oferecimento de denúncias ineptas levadas a efeito por promotores amigos ou mesmo por deficiências na instrução, quando estes não se desincumbem do ônus da prova; ora, o juiz jamais deveria ter receio de desgostar aquele que não desempenhou sua função a contento, ainda que nutra por ele uma íntima relação de amizade.

    Para finalizar o que os advogados – ao menos este - desejam não é consideração pessoal ou mesmo indulgências; não precisam disto. Querem apenas o que é de direito, ou seja, serem tratados com respeito, mas principalmente igualdade processual, paridade de armas, tudo para que tenham um processo penal efetivamente justo, não um arremedo de processo.

    Portanto, e aqui me dirijo aos magistrados, não permitam e não colaborem para que sejam criados mais embaraços ao exercício de uma missão (advocacia) que em si já é difícil, embora prazerosa, ou seja, não privilegiem a outra parte da relação, notadamente porque ela também não depende, tampouco precisa de favoritismos, ainda que involuntários.

    Não basta que a mulher de César seja honrada, é preciso que sequer seja suspeita[1]”. Para nós, advogados e clientes, não basta que o juiz seja imparcial; deve parecer sê-lo.

    Advocacia André Pereira


    [1] http://origin.guiadoestudante.abril...-ser-honesta-tem-parecer-honesta-433389.shtml. Acessado em 28/09/17.
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