MÁ FÉ NO PROCESSO

Discussão em 'Arquivos antigos' iniciado por JOANETHO, 15 de Agosto de 2005.

  1. JOANETHO

    JOANETHO Visitante

    ....alguém pode me enviar algo a respeito do assunto ?
  2. ismar_schein

    ismar_schein Membro Pleno

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    tenho esse artigo do Jurisíntese

    LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - Lilian Oliveira de Azevedo - Sheila de Andrade Ferreira
    (Publicada na Revista da Faculdade de Direito da UNIFACS Vol. 1 - 2001, pág. 239)
    Lilian Oliveira de Azevedo
    Acadêmicas do 3ª ano do Curso de Direito da UNIFACS.
    Sheila de Andrade Ferreira
    Acadêmicas do 3ª ano do Curso de Direito da UNIFACS.
    Orientador Profº Adroaldo Leão
    Advogado, Professor e Coordenador do Curso de Direito da UNIFACS
    e Titular da Cadeira de Direito Constitucional.
    Nota: Inserido conforme originais remetidos pelo autor.
    RESUMO: O conteúdo do presente trabalho tange a litigância de má-fé em todas as suas nuances, à luz das reformas do Código de Processo Civil. Visa também demonstrar a relevância do tema abordado e suscita todos os aspectos polêmicos, concernentes às situações produzidas pela conduta danosa.
    Introdução
    Litigante de má-fé é aquele que atuando em juízo como autor, réu ou interveniente o faz de maneira malévola, com intuito de prejudicar não só a parte adversa, como também, em última análise, o próprio Estado-Juiz, visto que é a este que se destina a pretensão jurisdicional. Neste mesmo sentir, aduz:
    "Reputa-se litigante de má-fé a parte que se aproveita, maliciosamente, de deficiências processuais para opor resistência injustificada ao andamento dos processos, deixando de proceder, como de seu dever, com lealdade e boa-fé." (TARGS - Apelação 187.869/92 - 2.ª Câm. - Rel. Borges da Fonseca - J. 11.02.1988, Julgados TARGS 65/373)
    Neste diapasão, a litigância de má-fé, dada a multiplicidade de condutas e situações que se apresentam, poderá vir camuflada sob as vestes da defesa do direito de um dos sujeitos integrante da lide, o que denota a complexidade do tema.
    Segundo o nosso sistema jurídico-processual, aquele que faz uso do seu direito com finalidade divorciada a qual este se destina, responderá pelos danos causados a outrem, pois configura-se hipótese de abuso de direito. A ação temerária, emulatória e incomodativa, somente persecutória da contraparte, constitui, em face da legislação pátria, litigância de má-fé, daí infere-se que a natureza da conduta maléfica, aqui analisada, é de abuso de direito, inicialmente previsto na lei material, e posteriormente migrada e adequada para a lei processual, gerando responsabilidade pelos danos causados no exercício da demanda.
    Legislação internacional
    O tema aqui em debate tem vazão no direito estrangeiro, dessa maneira torna-se absolutamente necessário proceder-se, mesmo que en passant, num estudo comparativo da litigância de má-fé nas legislações internacionais.
    Na Itália, no Código de Processo Civil há previsão de condenação do litigante vencido ao ressarcimento dos danos se agindo ou resistindo em juízo com má-fé ou culpa grave, entretanto, tal hipótese, só se perfazerá a requerimento da parte. Havendo, assim, responsabilidade agravada pela decorrência da conduta temerária, sendo esta fundamentada na culpa grave e no dolo. Outrossim, há expressa previsão sobre dever de lealdade e probidade. Vê-se, então, que o Código de Processo Civil italiano traz lado a lado a má-fé e a culpa grave.
    Conquanto na Alemanha, não há previsão expressa de norma proibitiva da conduta dolosa das partes no processo, ao longo do seu texto legal, verificam-se comportamentos específicos dispostos de maneira dispersa, como, por exemplo, desonestidade das partes, que são reprimidos. Sendo necessária a propositura de ação própria com o escopo de obter indenização dos prejuízos sofridos pela parte.
    Encontra-se na Áustria, a primeira legislação alienígena a consagrar o dever de veracidade de maneira inequívoca. Além disso, no seu bojo há hipótese expressa sobre a responsabilidade por danos processuais.
    Em relação ao direito português, a legislação processual enumera os casos em que existe má-fé no processo, dentre eles, pode-se citar a conduta da parte que deduz pretensão ou oposição, cuja falta de fundamento não devia ignorar. A natureza da condenação, no caso da litigância, é dúplice: multa e indenização à parte contrária, caso em que deverá ser requerida pela mesma. Faz-se necessário também que a conduta maléfica esteja pautada no dolo ou em negligência grave. Tal diploma contempla a possibilidade da condenação do advogado solidariamente com a parte que representa, no caso da conduta faltosa. Sem embargo, neste diploma legal encontra-se de forma expressa uma proibição ao abuso do direito de demandar.
    Na França, não se encontra disposição expressa acerca do suso tema, tão-somente uma repressão a determinados atos, impondo-lhes sanções, como no caso de interposição de apelação abusiva.
    Consoante com o ordenamento brasileiro, pode-se citar a Colômbia, onde há uma enumeração taxativa das hipóteses consideradas como litigância de má-fé, havendo responsabilização da parte que tiver agido desta maneira, através de indenização dos prejuízos que tiver dado causa.
    Já na Argentina, encontra-se uma peculiaridade ao ser imposta multa à parte ou ao seu advogado, ou a ambos conjuntamente, sempre que dada à apuração da má-fé. Outro ponto importante a ser destacado é o percentual a que está submetido o litigante: cinco a trinta por cento do valor da causa, ou em não sendo possível auferir este último, será norteado por valores estabelecidos.
    Pode-se apreender que no direito comparado, de uma maneira geral, a litigância de má-fé chegou aos tempos modernos com o intuito precípuo de coibir as condutas atentatórias à dignidade da justiça, sobretudo, com relação ao dever de verdade do litigante, entretanto, a indenização, salvo exceção, só é possível quando requerida pelo pólo prejudicado.
    Evolução da litigância de má-fé no CPC
    No CPC de 1939, em seu art. 3º, tinha-se a responsabilização das partes por dano provocado no processo, com fulcro em três pressupostos subjetivos ("...espírito de emulação, mero capricho, ou erro grosseiro" - grifos inautênticos). O parágrafo único do referido artigo tange a forma de abuso de direito mais corriqueira, até hoje, na vida forense, que é a procrastinação da lide. Enquanto isso, no art. 63, do mesmo diploma legal, faz-se referência às sanções processuais, tais como, custas e honorários advocatícios, não excluindo, pois, as sanções de direito material, no que diz respeito ao abuso de direito, desde que este esteja caracterizado.
    No texto legal de 1973, o legislador ao abordar o aludido tema, faz menção à má-fé e ao dano processual, este último elemento objetivo. Ademais, a lei, em referência, previa a possibilidade de condenação do embargante a pagar multa ao embargado, não podendo exceder o percentual de um por cento sobre o valor da causa.
    Com o advento da Lei nº 6.771 de 27.03.1980, aprimorou-se a norma, tornando-a de fácil aplicação, uma vez que a anterior era extremamente rigorosa, de maneira tal que era incompatível com a realidade da administração da justiça no país. Com isso, a supracitada lei retirou de forma genérica os termos e/ou elementos que denotassem subjetividade ao texto legal anterior, visando, com isto, facilitar a apreciação do magistrado frente às situações fáticas. Destarte, a mera tentativa passa, também, a caracterizar o bad faith. Tal evolução é imprescindível para evitar a impunidade da conduta temerária. Nesse contexto, serve como exemplo a sanção ao litigante de má-fé que, com a nova leitura, passa a ser aplicada a quem "...deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso" (grifo inautêntico), em contrapartida ao comando impreciso anteriormente adotado que previa: "... deduzir pretensão ou defesa, cuja falta de fundamento não possa razoavelmente desconhecer" (grifo nosso).
    Ademais, houve a revogação do inciso III da lei antecedente com a correspondente renumeração dos demais incisos, passando o antigo inciso IV a ser o atual inciso III, tendo sido modificada sua redação, objetivando, mais uma vez, a supressão do elemento subjetivo: "...usar do processo com intuito de conseguir objetivo ilegal" (grifo nosso), já a redação atual traz: "...usar do processo para conseguir objetivo ilegal". Concernentes aos demais incisos, não houve qualquer alteração, logo, dispensa-se qualquer comentário.
    A Lei nº 8.952, de 13.12.1994, inseriu a hipótese do magistrado declarar de ofício a má-fé, aplicando, a partir daí, o percentual máximo de vinte por cento do valor da causa à conduta atentatória. No mesmo sentido já se tem decido: JTACivSP 108/406, 90/333, 71/120. Contudo, dada hipótese do dano produzido extrapolar, o já mencionado percentual, deverá o juiz fixar o an debeatur, remetendo, com base nos arts. 606 e 607 do CPC, a fim de que a liquidação dessa parte da sentença seja feita sob a forma de arbitramento. Visto que a conduta temerária é passível de ocorrer tanto em primeiro grau como em sede recursal, nada obsta de poder ser a condenação exarada de ofício, pelo juiz, sem nenhum prejuízo aos princípios constitucionais do duplo grau de jurisdição, ou do contraditório.
    Por fim, a Lei nº 9.668 de 24.06.1998 acresceu ao art. 17 o inciso VII, o qual aborda o recurso manifestamente infundado, não se querendo limitar, com isto, o direito de recorrer que é constitucionalmente trazido pelo art. 5º da Magna Carta, tão-só opor-se ao recurso interposto sob fundamento contrário a texto expresso em lei. Já em relação ao art. 18 e seus parágrafos, a lei, suso mencionada, ratifica a atuação oficiosa do juiz já consignada pela lei anterior, todavia, a máxima inovação fica a cargo da criação de uma multa, não superior a um por cento sobre o valor da causa, independente da indenização que se refere aos prejuízos sofridos pela parte lesada, mesmo que o improbus litigator seja vencedor na ação, isto porque independe do resultado da demanda. Urge salientar que o art. 18, quando se refere ao prejuízo que pode advir da litigância de má-fé, tange o prejuízo anteriormente citado, em caráter geral. Abarcando, desta maneira, as perdas e danos do art. 16 da referida legislação processual.
    Diante das reformas apresentadas, temos o atual texto no Código de Processo Civil: Art. 17, "Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão em juízo ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidentes manifestamente infundados; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório"; e Art. 18 "O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, das partes, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. § 1º Quando forem dois ou mais litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligarem para lesar a parte contrária. § 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a vinte por cento sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento".
    Nesse contexto, é importante que se pontue alguns aspectos relevantes decorrente da atual regulamentação do bad faith. Inicialmente, é latente que as hipóteses que contemplam a litigância de má-fé estão dispostas num rol taxativo (numerus clausus), no mesmo sentir, aludi-se ao comentário dos ilustres juristas NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY: 1 "4. Rol taxativo. As hipótese de caracterização objetiva de litigância de má-fé, estão arroladas em numerus clausus, taxativamente, na norma ora comentada, não comportando ampliação (Arruda Alvim, CPC, II, 149; Borges, Coment., v. 1, p. 28; Adroaldo Leão. O Litigante de má-fé, p. 37) ..." .
    Seguindo a linha de pensamento de SÉRGIO BERMUDES, este afirma que quando no art. 17 inciso I, o legislador refere-se ao termo "texto expresso de lei", isto é, texto manifesto, cujo comando é inequívoco; quer-se dizer, texto que só admite uma interpretação, não se exigindo uma manifestação prévia e uníssona, nem dos tribunais, nem da doutrina, bastando que a norma seja inequívoca em si mesma, v.g., prazo de resposta no procedimento ordinário (15 dias), art. 297 do CPC. 2
    No tocante ao inciso II, do mesmo artigo, este trata do dever de plenitude da verdade, que deve ser inerente a atividade jurisdicional, atuando de má-fé, inclusive, aquele que omite a verdade no processo. ARRUDA ALVIM contempla, ainda, a possibilidade de que apesar das partes terem o direito de fazer a triagem dos fatos, dizer as coisas de modo vago intencionalmente, envolve o propósito de confundir, o qual é vedado por lei. 3
    É válido esclarecer que o inciso III do artigo em questão trata única e exclusivamente da utilização do processo para conseguir objetivo ilegal, por uma das partes, com conseqüente desconhecimento da outra, visto que se se tratar de intuito bilateral, configurar-se-á uma nova figura: processo fraudulento (figura tratada no art. 129 do CPC), o que não exime da imposição de pena de litigância de má-fé a ambas as partes.
    Em relação ao inciso IV, o qual trata da resistência injustificada, a maioria dos doutrinadores afirma que o presente dispositivo está dirigido ao réu, já que é este o pólo que mais se utiliza de manobras ardilosas, visando a postergação do andamento do feito.
    O "modo temerário", do qual trata o inciso V, é o termo mais amplo que se pode encontrar em todo artigo, uma vez que este enseja: dizer a verdade, produzir provas, praticar atos somente quando necessário e formular pretensões ou defesas devidamente fundamentadas.
    BARBOSA MOREIRA, em relação ao inciso VI, acentua que não há necessidade de que o "incidente", ali exposto, venha a ser julgado contra o suscitante e, sim, que de logo seja constatada a manifesta falta de razão dele, de qualquer argumento sério e ponderável. 4 Outrossim, a palavra "incidente" deve ser compreendida em seu sentido lato, abrangendo, então, todas as circunstâncias que daí decorram.
    O inciso novel inserido ao artigo adrede, veio com o desiderato de atender ao reclamo jurisprudencial, de juízes e tribunais que, por sua vez, já vinham condenando por litigância de má-fé, as partes que recorriam reiteradamente das decisões prolatadas com o propósito meramente protelatório, dilatório do processo, visando com tal atitude, postergar ao máximo a ocorrência da coisa julgada. É latente que a existência do duplo grau de jurisdição, consoante ao direito de recurso, estimula o pólo vencido a interpor o maior número de recursos a fim de reter, por mais algum tempo, o bem da vida pretendido.
    Nestes termos, percebe-se que as situações contempladas pelo art. 17 são entendidas como atentatórias à boa-fé processual e esta, por sua vez, traz em seu bojo o próprio conceito e, até mesmo, a finalidade do processo.
    Tratando-se agora do art. 18, o destinatário precípuo da norma é o juiz ou tribunal, de maneira que lhe é outorgado um comando de condenar o litigante de má-fé a pagar multa e a indenizar os danos. Mesmo que tecnicamente só exista a condenação exarada na sentença, no sentir de ANA LÚCIA I. M. DE OLIVEIRA tem-se que: "é recomendável que o juiz, ao detectar a conduta faltosa assinale desde logo a prática de ato configurador da litigância de má-fé, para evitar que o litigante continue agindo como antes". 5 É necessário para habilitar a execução que a condenação esteja presente na sentença porque, do contrário, de nada valerá tal condenação via decisão interlocutória. Diversamente, opina JOSÉ RUBENS DA COSTA, o qual afirma que a decisão será sempre interlocutória, carecendo da extração de carta de sentença para a liquidação por artigos, posição esta minoritária. 6 Forçoso salientar que é possível, através de ação autônoma, reclamar os prejuízos decorrentes da ação temerária, embasando-se no art. 159 do Código Civil, o qual trata da responsabilidade aquiliana, e não na Sessão II do CPC que enseja indenização apenas no processo em que se figura a conduta maléfica.
    Neste ensejo, o juiz ao aferir a conduta do improbus litigator e a parte prejudicada, a seu turno, não alegar prejuízos materiais, a indenização só atinge os danos morais, já que o litigante foi atingido no seu direito de ter um processo amparado pelo dever de boa-fé, pode-se entender, ainda, que aquela tem caráter nitidamente sancionador, quando o magistrado pode estabelecer desde logo a sanção em vinte por cento, a título de indenização, mais um por cento, a título de multa, externando a natureza dúplice da condenação. Termos em que, cabe ao juiz dar oportunidade de defesa para aquele que teve a conduta ímproba, como também, deverá se manifestar a parte inocente, dentro dos mesmos autos. Por fim, não se faz necessário que seja alegada a litispendência ou a conexão, pela parte prejudicada, para que se dê a litigância de má-fé, ou seja, esta última existe independentemente da alegação.
    Não há como discordar, que havendo litisconsórcio, no assunto em discussão, e não estando estes coligados para a realização da conduta ímproba, deverá a condenação ser proporcional, como denota o § 1º do art. 18 do CPC, excluída a possibilidade de réu versus autor - dolo unilateral recíproco, já que, neste caso as condutas são independentes e deverão ser condenados de per si, cabendo compensação quanto aos valores. Dada hipótese de existir coligação entre os litisconsortes para prejudicar a parte adversa, haverá condenação dos mesmos.
    Pontos controvertidos da matéria
    Neste tópico, far-se-á uma abordagem de alguns aspectos polêmicos no tocante à litigância de má-fé.
    Tendo sido convenientemente conceituado os personagens a que se destina o tema em questão, pode-se encontrar na doutrina pontos de dissenso. Quanto ao Ministério Público, afirma NELSON NERY JÚNIOR que não poderá ser aquele condenado como litigante de má-fé porque há previsão expressa, no art. 85 do CPC, no que se refere a sua responsabilidade civil no exercício legal de suas atividades. 7 Posteriormente, o mesmo autor, ao fazer comentários à Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), posiciona-se de maneira diversa, vislumbrando a possibilidade de enquadrar a conduta do referido Órgão nas hipóteses atinentes à litigância de má-fé. 8 Resta claro que não há como se manter tais posições antagônicas. Agindo como fiscal ou como parte, o Ministério Público deverá ser condenado toda vez que conjugar o verbo núcleo das situações do art. 17 do diploma processual, sem prejuízo de mover ação regressiva contra o agente causador do dano, conforme art. 37, inciso 6º da CF.
    Em relação ao advogado das partes, sua conduta processual é regulada pelo art. 14 do CPC, o qual reporta-se aos deveres concernentes ao Código de Ética e ao Estatuto do Advogado. O fato é que, dada a conduta ímproba do patrono, cabe ao juiz oficiar a OAB, comunicando o incidente e aquele órgão tomará as medidas cabíveis. Entretanto, este não é um ponto pacífico, encontrando-se exemplos de condenação solidária do advogado com a parte, como na decisão da 5ª Turma do TRT da 2ª Região no acórdão do Recurso Ordinário 02950412887/SP que ao verificar o ajuizamento de cinqüenta e nove demandas no mesmo dia contra o mesmo reclamado condenou o advogado e os reclamantes ao pagamento de R$ 1.000,00 decorrente dos danos causados à parte adversa pela constatação da litigância de má-fé.
    Entendemos que o advogado não pode jamais ser condenado solidariamente com a parte que representa visto que o patrono não é sujeito ativo na litigância de má-fé, inclusive, o artigo no anteprojeto do CPC que previa tal condenação foi retirado.
    Atinente a esta questão o atual Estatuto da OAB, no art. 32 PU, ordena que havendo coligação entre o advogado e seu cliente para lesar a parte contrária, condenar-se-á solidariamente, apenas, em ação autônoma daquela em que se detectou a conduta temerária, mediante a devida comprovação do conluio. Aliás, é importante sublinhar que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, § 4º, acertadamente prevê ação regressiva contra o advogado, quando deste último decorrer o ato da conduta faltosa, salvaguardando a parte, já que, para o processo não há alteração, seja na conduta do procurador ou do seu cliente, é sobre a parte que recairão as condenações.
    No que se refere à assistência judiciária gratuita, aquele que goza de tal benefício não está imune de ser-lhe impostas as cominações legais do art. 18 do CPC, já que tange à conduta faltosa e não às despesas ou às custas processuais.
    Cumpre salientar que, no caso do poder público ser considerado litigante de má-fé, figuram-se duas posições antagônicas: por um lado, já se tem decidido que a este não comportaria tal condenação, pois quem suportaria o ônus, em última análise, seria o próprio contribuinte. Pesando sua decisão nesta linha, decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
    "...A aplicação da pena ao litigante de má-fé ao Poder Público não produz o efeito que a norma processual pretende alcançar, de vez que, o ônus será suportado pelo próprio povo e essa circunstância não inibe o mau litigante." (Ag 430.015/RS, DJ 10.08.1994)
    Noutra banda, entendem outros que a condenação da Fazenda Pública é necessária, até mesmo para servir de modelo, a outros que enquadrem-se na conduta temerária, pois, por ser responsável pelo Erário Público, tem o dever de agir com probidade ao atuar no processo. Nesta direção, deu-se a condenação da Fazenda Pública ao pagamento de multa, por deslealdade processual: RJTJESP 42/142. Posicionamo-nos, favoravelmente a esta última colocação, visto pelo princípio da isonomia, consagrado no texto constitucional, aliado às múltiplas prerrogativas que já goza o Poder Público, seria descabido deixá-lo impune.
    Outro ponto que merece destaque, neste tópico, diz respeito à Ação Declaratória de Inconstitucionalidade, vale dizer, quando o requerente vai ao Judiciário pleitear a não-aplicação da lei ao caso concreto, insurgindo-se, pois, contra a lei, já que busca afastar a sua aplicabilidade, não se podendo, no caso em tela, falar em litigância de má-fé. Situação esta, deveras diversa daquela em que a parte, em juízo, menospreza a norma vigente, requestando a providência jurisdicional contra o disposto na norma.
    Também cabe discernir, que aquele que exerce o direito de ação convicto de sua pretensão, ainda que, em verdade não o tenha, não estará cometendo a conduta faltosa, aqui abordada, posto que, litigar sem direito não o torna responsável, o que é absolutamente contraditório à situação daquele que o faz à sombra da má-fé.
    Emerge agora cuidar da litigância de má-fé no tocante às decisões assentadas na Corte Superior.
    "Não merece provimento agravo regimento que se limita a repetir teses já sustentadas no recurso especial e já decidida. Age como litigante de má-fé a parte que opõe recurso pretendendo rediscutir matéria consolidada no STJ. A CEF devia acatar, prontamente, a jurisprudência do STJ. O abuso do direito ao recurso contribuindo para inviabilizar, pelo excesso de trabalho, o STJ, presta um desserviço ao ideal de justiça rápida e segura." (AGA 131.672/DF, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 24.11.1997, p. 61.133)
    Justifica-se o posicionamento supra, dada a cristalização da matéria, onde a interposição de recurso demonstra litigância de má-fé, visto que insurgiu-se a parte contra a jurisprudência dominante. Latente, pois, a intenção de retardar a ocorrência da coisa julgada.
    Doutra parte, afirma-se que mesmo havendo uniformização jurisprudencial sobre determinada matéria, isto não implica que à parte esteja vedada a possibilidade de pleitear uma interpretação que lhe seja mais favorável e/ou correta. É absurdo querer se transformar a jurisprudência consolidada no Tribunal ad quem em verdadeiras súmulas vinculantes travestidas. Tal comportamento seria demasiadamente penoso à parte, acarretando-lhe prejuízos, como também, a todo sistema jurídico vigente, já que se estaria negando o princípio da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição. Não há elementos suficientes para condenar o recorrente em litigância de má-fé, afinal, não existe o efeito vinculante das decisões dos Tribunais Superiores, ainda que tal assunto seja objeto de debates doutrinários, na prática, admiti-se, apenas, as súmulas como instrumentos de orientação jurisprudencial. Ancorando-se tal pensamento no posicionamento de FIELD, Ministro da Suprema Corte Americana, o qual em análise crítica ao sistema americano do stare decisis, no caso Barden vs. Northern Pacific Railroad Co., 154 US 288 (1894), conclui: "É mais importante que o Tribunal decida corretamente com base em análise posterior e mais elaborada dos casos do que ele seja consistente com as decisões anteriores".
    A atuação oficiosa do juiz merece uma análise mais detalhada. A priori, deve-se buscar o escopo pretendido pelo legislador no caput do art. 18, ou seja, deve-se ponderar se o juiz, ao condenar a parte na conduta em comento, está realizando uma faculdade ou um dever. Alguns acreditam que tal atuação do magistrado se constitui numa faculdade discricionária, conquanto esta jamais poderá ser entendida como ato discricionário, sob pena de se transformar em arbitrariedade. Entendemos ser mais acertado o posicionamento de tal conduta ser um dever seu enquanto representante do Estado no exercício do Poder Jurisdicional, devendo zelar pelo correto desenvolvimento da relação jurídico-processual.
    Compartilhando desta idéia, NELSON NERY JÚNIOR afirma que: "O destinatário primeiro da norma é o juiz ou tribunal, de sorte que lhe é imposto um comando de condenar o litigante de má-fé a pagar multa e a indenizar os danos". 9 O fato é que, ao agir de tal forma o juiz não está ferindo o princípio da imparcialidade. Pelo contrário, estará conduzindo o processo de maneira a evitar que este, através de manobras burocráticas e maliciosas, torne-se um instrumento contrário a justiça.
    Em última análise, cabe pontuar a opinião isolada de VICENTE GRECO FILHO, que afirma ser o sistema brasileiro da litigância de má-fé o da sanção indenizatória, o qual tangendo o âmbito dos direitos patrimoniais (direito disponível), permaneceria o juiz impedido de condenar ex officio, estando adstrito ao requerimento da parte lesada, ou sua concordância tácita ou explícita. É cristalino que tal assertiva não logra êxito, uma vez que o dano existente não se limita ao aspecto patrimonial, estendendo-se ao moral, inclusive não se fazendo presente, em determinadas oportunidades o prejuízo patrimonial, mas seguramente perecerá o dano moral (contra a dignidade da justiça). 10
    Conclusões
    De todo o exposto, sustentamos que a impunidade acerca da matéria agiganta o número de demandas e conseqüentemente congestiona a Justiça. O que está em jogo é a seriedade e a confiança do Poder Judiciário, que é visto como moroso, dispendioso e atravancado, ocasionando um descrédito na prestação jurisdicional. Condenar o litigante de má-fe é deixar claro às partes e aos seus patronos, que a administração da justiça deve servir à certeza do direito da sociedade.
    Pode-se aferir a atualidade e a importância do tema, em debate, para que se trate a matéria com o devido cuidado que merece. Apesar de reconhecermos a relevância das inovações legislativas que até aqui se processaram, é preciso que se critique e evoque uma possível alteração quanto ao ínfimo percentual em relação a multa de um por cento, pois como é sabido o aspecto indenizatório é de difícil comprovação. Em determinadas circunstâncias é mais conveniente ao improbus litigator levar em frente a sua conduta faltosa, assegurando por mais tempo em sua esfera de poder o bem da vida em litígio, do que preocupar-se com o tímido percentual. Visando reprimir o dolo processual, convém trazer à baila o ensinamento do insigne jurista ADROALDO LEÃO: "é preciso apenar-lhe no processo e no bolso". 11 Na seqüência deste raciocínio, sendo o Juiz o representante do Estado no exercício do poder jurisdicional, a condenação da parte que pratica atos ilegítimos é um dever que se lhe impõe e em agindo desta maneira estará cumprindo o seu sagrado mister.

    Espero ter auxiliado

    Alegrete-RS (Terra de Mário Quintana)
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