Benfeitorias, acessões e puxadinhos

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por AP Advocacia, 09 de Maio de 2017.

  1. AP Advocacia

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    Resolvi escrever o presente artigo em virtude de uma consulta que me foi feita recentemente e que diz respeito às diferenças acaso existentes entre benfeitorias e acessões. Ao final farei considerações superficiais acerca dos denominados puxadinhos.

    De modo resumido um cliente veio ao escritório e alegou que possui um terreno em copropriedade com seu irmão, mas a filha deste edificou no local, aparentemente sem o conhecimento de ambos.

    Ele comentou que sequer foi avisado acerca da realização da “benfeitoria”, como nominou a construção, tampouco a autorizou. Soube da edificação - uma pequena casa, ao visitar o terreno, o que faz uma vez ao ano, posto estar localizado no litoral.

    Pois bem, a questão que se coloca é: a casa construída pode ser enquadrada como benfeitoria ou se trata de um típico caso de acessão? Qual a diferença existente entre ambas?

    De antemão entendo tratar-se de acessão, explico.

    Acessão nada mais é do que a construção de coisa nova na propriedade de outrem. Está-se a tratar, neste caso, da acessão artificial, fruto da intervenção humana, pois há aquelas decorrentes de eventos naturais, as quais não serão consideradas neste artigo.

    Benfeitoria, a seu turno, é aquela obra que tem por objetivo conservar a coisa preexistente, melhorá-la ou embelezá-la. A benfeitoria é um acessório unido à coisa principal (terreno).

    Disto resulta que na acessão cria-se uma coisa nova (a redundância é intencional) - no caso um imóvel - por intermédio de uma obra, ao passo que na benfeitoria são realizadas intervenções em bens existentes, mas com um dos objetivos a que acima se fez menção.

    As benfeitorias, por sua vez, estão disciplinadas tanto no Código Civil quanto na Lei do Inquilinato, ao passo que as acessões foram tratadas apenas naquele Diploma.

    Num contrato de locação, por exemplo, as partes podem dispor que o locatário não terá o direito de ser indenizado pelas benfeitorias que vier a realizar, tampouco poderá exercer o direito de retenção. Disto resulta que elas serão incorporadas ao imóvel e passarão a pertencer ao locador.

    Este entendimento foi consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça com a edição da súmula 335.

    Em se tratando de acessão o que realizou a construção a perderá em favor do proprietário, mas terá o direto de ser indenizado caso tenha agido de boa-fé.

    Outro ponto importante é que nas benfeitorias aquele que realiza a obra tem alguma relação com a coisa, como na locação, ao passo que na acessão o terceiro que edificou no imóvel não é proprietário, tampouco possuidor, ou seja, não possui sequer um mandato, ainda que tácito, que pudesse ter dado ensejo à realização da obra.

    Mas voltando ao caso exposto no início, inclinei-me no sentido de qualificar a situação como acessão justamente porque no terreno do meu cliente foi construído um imóvel. Não se tratou da realização de obras de melhoramento ou embelezamento numa edificação existente.

    Pode-se dizer, assim, que a casa construída no terreno desabitado é um bem acessório que aderiu ao principal. O acessório segue o principal como sabemos.

    No mais, embora não seja este o objetivo do artigo, qual a pretensa solução (há mais de uma dependendo das variáveis) para o caso do ponto de vista do meu cliente?

    Sabe-se, de acordo com o Código Civil, que a acessão é um dos modos de aquisição da propriedade. Portanto, ao ver construída uma casa em seu terreno poder-se-ia afirmar que meu cliente, em tese, passou a ser o proprietário desta. No entanto, se ficar constatado que sua sobrinha agiu de boa-fé deverá indenizá-la.

    Por outro lado, caso o valor da construção exceder consideravelmente o do terreno meu cliente poderá perdê-lo, mas desde que fique provado que aquela agiu de boa-fé, hipótese em que este receberá uma indenização a ser fixada pelo juiz se não houver acordo.

    Afirmo em tese, pois como destaquei deve ser avaliada a boa-fé das partes envolvidas, haja vista que este critério possui enorme relevância para o deslinde da questão e será aferido no momento oportuno pelo juiz da causa.

    Para finalizar devo destacar que tratei apenas da acessão artificial, industrial como costumam dizer. Há outras modalidades de acessão que também dão ensejo à aquisição da propriedade como a aluvião, formação de ilhas, dentre outras. Estas, no entanto, não guardam semelhanças, a meu ver, com o conceito de benfeitoria exposto neste artigo, motivo pelo qual não foram abordadas.

    Para finalizar e como prometido farei uma brevíssima análise daquelas construções, normalmente precárias, chamadas puxadinhos. Seriam elas benfeitorias ou acessões? Depende?

    Em se tratando de puxadinhos construídos em terreno alheio acredito que podemos considerá-los acessão. No entanto, caso estejamos a falar de intervenções efetuadas numa edificação preexistente estaremos diante de benfeitorias. De todo modo entendo que a extensão das obras deve ser analisada.

    Malgrado devemos ter em mente que após a edição da Medida Provisória nº 759/2016, que acrescentou o artigo 1.510-A ao Código Civil, os denominados puxadinhos passaram a ser institucionalizados, no que o legislador andou bem.

    De acordo com referido artigo passou-se a reconhecer o denominado direito real de laje, que consiste na possibilidade de coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades distintas situadas em uma mesma área, de maneira a permitir que o proprietário ceda a superfície de sua construção a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo.

    Para esclarecer imaginem uma pessoa que resolva construir no pavimento superior de sua casa, atribuindo-lhe acesso distinto. Este novo imóvel poderá ser vendido, ao que o comprador passará a exercer sobre o bem o denominado direito de laje; esta é a ideia principal, embora existam requisitos a serem observados.

    Neste caso entendo que não se trata de acessão, tampouco de benfeitoria, mas de uma figura à parte como tratado no mencionado artigo.

    Pode-se concluir que a legislação disciplinou um fato corriqueiro, garantindo aos envolvidos um nível maior de segurança jurídica.

    Enfim, acredito ter conseguido despertar a curiosidade dos leitores acerca destes assuntos, cujos pormenores poderão ser encontrados nos manuais dos grandes civilistas.

    Advocacia André Pereira
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