Ação Civil Pública contra a CEF para abster de

Discussão em 'Modelos de Petições' iniciado por Herison Eisenhower Rodrigues do Nascimento, 15 de Novembro de 2007.

  1. Herison Eisenhower Rodrigues do Nascimento

    Herison Eisenhower Rodrigues do Nascimento Membro Pleno

    Mensagens:
    577
    Sexo:
    Masculino
    Estado:
    Espírito Santo
    EXMO(A). SR(A). DR(A). JUIZ(A) FEDERAL DA ___ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ


    URGENTE: PRAZO DE ADITAMENTO AO FIES EXPIRA EM 07/10/2005

    Ação Civil Pública nº 71/05





    O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República que esta subscreve, com fundamento no disposto nos artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal, bem como nos preceitos da Lei n.º 7.347/85, vem ajuizar a presente

    AÇÃO CIVIL PÚBLICA

    com pedido de antecipação de tutela, em face da UNIÃO FEDERAL,que pode ser citada na sede da Procuradoria da União neste Estado, na Rua Guilherme Rocha, nº 1342, e da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, empresa pública federal, com endereço nesta cidade na Av. Santos Dumont, nº 2772, 2º andar, Aldeota, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos:

    I - DOS FATOS

    Tramitam na Procuradoria da República no Estado do Ceará, diversos Procedimentos Administrativos , instaurados em decorrência de representações formuladas pelos estudantes Jeamma Kézia Oliveira Veríssimo, Pedro Mauro Vieira Lima, Bruno Aragão Gomes, Marta Célia Chaves Cavalcante, Ângela Nair Soares da Silva, Adriano Vicente Queiroz, perante a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e que versam fundamentalmente acerca do retorno da exigência de apresentação de fiador quando da efetivação do aditamento dos contratos de financiamento estudantil, via FIES.

    Ressalte-se que os aditamentos de tais contratos, relativamente ao período de 2005.2 (2º semestre do corrente ano), hão de ser efetivados até o prazo de 07 de outubro de 2005.

    II - DA LEGITIMIDADE ATIVA DO AUTOR

    A Constituição Federal estabelece as diretrizes de atuação do Ministério Público, dentre as quais se encontra a defesa de interesses relativos à coletividade. Nesse sentido, o art. 127 da Carta Magna determina que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis."

    A presente ação volta-se para tutela de direitos individuais homogêneos ligados à educação, que se revestem, portanto, de inequívoca relevância social. Por outro lado, os principais interessados na concessão da tutela em questão são pessoas carentes, que enfrentam enorme dificuldade no acesso à justiça.

    Vale também destacar que, além da relevância social dos direitos em discussão, a grande dispersão no universo dos lesados aconselha o uso de instrumento coletivo de tutela jurisdicional. Com isto, evita-se o congestionamento ocioso da máquina judiciária, facilita-se a defesa dos hipossuficientes, e permite-se, ainda, uma resolução mais rápida e equânime para um problema que aflige a um vasto contingente de pessoas. E ninguém melhor para exercitar esta tutela coletiva de direitos do que o Ministério Público, devido a sua posição institucional de advogado da sociedade.

    Nesse sentido, é importante destacar que a doutrina e jurisprudência dominantes vêm se inclinando para a posição de que o Ministério Público tem legitimidade ativa para defender direitos individuais homogêneos, desde que estes se revistam de relevância social. Veja-se, nesta linha, a decisão do STF, que também versava sobre o direito à educação:

    RECURSO EXTRAORDINARIO CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTÍ-LAS EM JUÍZO.
    1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, Incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
    2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).
    3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
    3.1. A indeterminabilidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinabilidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos.
    4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, 111, da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.
    4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou cIasses de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.
    5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
    5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.
    6. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.

    A C Ó R D Ã 0

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, conhecer do recurso e lhe dar provimento.
    (STF, Recurso Extraordinário N. 163231-3/SP, Relator: Min. Maurìcio Corrêa, j. em 26.02.97).


    No mesmo diapasão, tem decidido o Superior Tribunal de Justiça:


    RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DANOS CAUSADOS AOS TRABALHADORES NAS MINAS DE MORRO VELHO. INTERESSE SOCIAL RELEVANTE. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
    1. O Ministério Público tem legitimidade ativa para ajuizar Ação Civil Pública em defesa de direitos individuais homogêneos, desde que esteja configurado o interesse social relevante.
    2. A situação dos trabalhadores submetidos a condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito individual homogêneo revestido de interesse social relevante a justificar o ajuizamento da Ação Civil Pública pelo Ministério Público.
    3. Recurso Especial conhecido e provido.
    (RESP 58682/MG; Relator Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, 3ª Turma do STJ, DJ de 16/12/1996, p. 50864, Data da Decisão 08/10/19960)


    “PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. RECURSO ESPECIAL.
    1. Há certos direitos e interesses individuais homogêneos que, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela ação civil pública.
    2. É o Ministério Público ente legitimado a postular, via ação civil pública, a proteção do direito ao salário-mínimo dos servidores municipais, tendo em vista sua relevância social, o número de pessoas que envolvem e a economia processual.
    3. Recurso conhecido e provido.
    (RESP 95347/SE, Relator Ministro EDSON VIDIGAL, 5ª Turma do STJ, DJ DATA:01/02/1999, PG:00221, Data da Decisão:24/11/1998)

    A legitimidade ativa do parquet federal para tutela de direitos individuais homogêneos encontra-se expressamente consagrada no art. 6º, inciso VII, d, da Lei Complementar n.º 75/93, que estatui, in verbis:

    “Art. 6º. Compete ao Ministério Público da União:
    (...)
    VI- promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
    (...)
    d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.”

    Não bastasse, a hipótese presente também envolve relação de consumo, já que a discussão do caso centra-se na validade de exigência estabelecida em contrato de financiamento a ser celebrado entre a CEF e os estudantes carentes. Ora, a teor do disposto no art. 3º, § 2º, do Código do Consumidor, consideram-se também como serviços submetidos àquele diploma “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de ... natureza financeira”. Note-se, no particular, que os financiamentos do FIES não são gratuitos, mas sujeitam-se a juros “a serem estipulados pelo CMN para cada semestre letivo”, consoante o estatuído no art. 5º, inciso II, da Lei 10.260/2001, o que revela a perfeita subsunção do caso ao Código do Consumidor.

    E não há, neste particular, qualquer discussão sobre a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para defender em juízo direitos individuais homogêneos ligados às relações de consumo, estabelecida no art. 82, inciso I, da Lei 8.078/90.

    Destarte, conclui-se pela legitimidade ativa do Autor, que se justifica tanto em face da relevância social dos direitos individuais homogêneos em discussão, como diante da constatação de que o caso envolve relações de consumo.

    iII - DO DIREITO APLICÁVEL À ESPÉCIE


    A Lei 10.260, de 12 de julho de 2001, instituiu o Fundo de Financiamento ao Estudante de Ensino Superior – FIES, caracterizando-o, em seu artigo 1º, caput, como um fundo de natureza contábil, destinado à concessão de financiamento a estudantes regularmente matriculados em cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva, de acordo com regulamentação própria, nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação (MEC).

    Referido Fundo é gerido pelo MEC, na qualidade de formulador da política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das suas operações, bem assim pela Caixa Econômica Federal – CEF, na qualidade de agente operador e de administradora dos ativos e passivos, conforme regulamento e normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional (art. 3º, I e II).

    De acordo com o artigo 4º, caput, da Lei 10.260/2001, são passíveis de financiamento pelo FIES até setenta por cento dos encargos educacionais cobrados dos estudantes por parte das instituições de ensino superior devidamente cadastradas para esse fim pelo MEC, em contraprestação aos cursos de graduação em que estejam regularmente matriculados, sendo que as condições do financiamento estão dispostas no artigo 5º da lei em comento, que assim estabelece:

    “Art. 5o Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte:
    I - prazo: não poderá ser superior à duração regular do curso;
    II - juros: a serem estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo, aplicando-se desde a data da celebração até o final da participação do estudante no financiamento;
    III - oferecimento de garantias adequadas pelo estudante financiado;
    IV - amortização: terá início no mês imediatamente subseqüente ao da conclusão do curso, ou antecipadamente, por iniciativa do estudante financiado, calculando-se as prestações, em qualquer caso:
    a) nos doze primeiros meses de amortização, em valor igual ao da parcela paga diretamente pelo estudante financiado à instituição de ensino superior no semestre imediatamente anterior;
    cool.gif parcelando-se o saldo devedor restante em período equivalente a até uma vez e meia o prazo de permanência na condição de estudante financiado;
    V - risco: os agentes financeiros e as instituições de ensino superior participarão do risco do financiamento nos percentuais de vinte por cento e cinco por cento, respectivamente, sendo considerados devedores solidários nos limites especificados;
    VI - comprovação de idoneidade cadastral do estudante e do(s) fiador(es) na assinatura dos contratos.
    § 1o Ao longo do período de utilização do financiamento, o estudante financiado fica obrigado a pagar, trimestralmente, os juros incidentes sobre o financiamento, limitados ao montante de R$ 50,00 (cinqüenta reais).
    § 2o É permitido ao estudante financiado, a qualquer tempo, observada a regulamentação do CMN, realizar amortizações extraordinárias do financiamento.
    § 3o Excepcionalmente, por iniciativa da instituição de ensino superior à qual esteja vinculado, poderá o estudante dilatar em até um ano o prazo de que trata o inciso I do caput deste artigo, hipótese na qual as condições de amortização permanecerão aquelas definidas no inciso IV e suas alíneas.
    § 4o Na hipótese de verificação de inidoneidade cadastral do estudante ou de seu(s) fiador(es) após a assinatura do contrato, ficará sobrestado o aditamento do mesmo até a comprovação da restauração da respectiva idoneidade, ou a substituição do fiador inidôneo.”

    Segundo a Portaria MEC 1.725, de 3 de agosto de 2001, a qual regulamentou a Lei 10.260/01, “a garantia do contrato será a fiança pessoal, ou outra que venha a ser aceita pelo agente operador” (art. 10, caput), sendo que, “no caso da fiança pessoal, será exigida a idoneidade cadastral do fiador e prova de rendimentos mensais pelo menos iguais ao dobro do valor total da mensalidade informada pela instituição de ensino superior, admitida a apresentação de duas pessoas cujo somatório de rendimentos atenda ao mínimo estabelecido nesse parágrafo” (art. 10, § 1º). Ainda o art. 10 da Portaria MEC 1.725/2001, em seu § 2º, dispõe que “não poderá ser fiador o cônjuge do candidato, nem estudante que conste como beneficiário do FIES”.

    Tem-se, destarte, que o FIES é um fundo destinado ao financiamento dos estudos em nível superior de estudantes matriculados em Instituições de Ensino Superior privadas, para o qual exige-se, como garantia, a fiança, prestada por quem tenha cadastro idôneo e renda mensal igual ou superior ao dobro do valor total da mensalidade cobrada pela IES particular.

    Tal exigência de fiador, a uma primeira vista, apresenta-se como razoável, eis que se está diante de financiamento realizado com recursos públicos (v. art. 2º da Lei 10.260/01, que trata das receitas do FIES), que tem, além disso, como uma de suas fontes de receitas, os “encargos e sanções contratualmente cobrados nos financiamentos concedidos ao amparo desta lei” (art. 2º, III).

    Assim, ao se exigir a fiança, está-se, de alguma forma, assegurando a quitação do financiamento, o que realimenta o próprio Fundo, tornando-o viável no longo prazo.

    No entanto, essa aparência de razoabilidade sucumbe quando se percebe a quem se destina o FIES: aos alunos carentes, cujas famílias não têm condições de custear a integralidade das mensalidades cobradas pelas faculdades privadas.

    Apenas a título de ilustração, e para ficar mais clara qual a clientela do FIES, basta ver os critérios adotados pela Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – SESU – do Ministério da Educação para a seleção dos candidatos ao processo seletivo do Fundo referente ao segundo semestre de 2004 (ao que consta, não foram abertos novos financiamentos para o primeiro semestre de 2005), constantes da Portaria SESU nº 30, de 12 de agosto de 2004, em seu artigo 7º, segundo o qual, “em cada curso de cada instituição de ensino superior, os candidatos serão classificados conforme um índice que caracteriza o seu grupo familiar, obtido mediante o emprego da seguinte fórmula:

    Ic = (RT x M x DG x EP X CP X NG x CS x R) / GF, onde:
    Ic = Índice de Classificação;
    RT = Renda Bruta Total mensal familiar (somatório da Renda Bruta mensal familiar e da Renda Agregada mensal familiar);
    M = Moradia (própria/cedida = 1; alugada/financiada = 1– [(gasto com moradia/RT) x 0,4]);
    DG = Doença Grave, especificada na Portaria Interministerial MPAS/MS 2.998/01 (existe no grupo familiar = 0,8; não existe = 1);
    NG = Instituição de Ensino Superior não gratuita (além do candidato, existe um ou mais membros do grupo familiar que cursa(m) a graduação, sem bolsa de estudos, em instituição de ensino superior não gratuita = 0,8; somente o candidato cursa a graduação em instituição não gratuita = 1);
    CS = Curso Superior (o candidato tem curso superior completo = 3; o candidato não tem curso superior completo = 1);
    GF = Grupo Familiar (número de membros no grupo familiar, incluindo o candidato);
    EP = Egresso de Escola Pública (se o aluno cursou o ensino médio completo em escola da rede pública gratuita = 0,8; se o aluno não cursou o ensino médio completo em escola da rede pública gratuita = 1);
    CP = Candidato Professor (se o candidato é professor de escola pública ou privada de Educação Infantil, Ensino Fundamental ou de Ensino Médio: sim = 0,6 e não = 1).
    R = Raça/cor do candidato (negra = 0,8; outras = 1)

    Nos termos da Portaria SESU nº 30/2004, em seu artigo 7º, § 5º, “os candidatos serão classificados na ordem ascendente do valor do índice calculado de acordo com o caput deste artigo”.

    Para ficar mais claro o critério de seleção dos candidatos ao FIES, consta do sítio da Secretaria de Educação Superior – SESU, no link “perguntas freqüentes”, que “são classificados aqueles candidatos com menor pontuação no IC até o montante de recursos disponibilizados para o curso na instituição de ensino”.
    Os critérios de desempate são dispostos no § 6º do artigo 7º da Portaria SESU 30/2004:
    “I – não ter curso superior completo;
    II – ter cursado o ensino médio completo em escola da rede publica gratuita;
    III – maior número de semestres já concluídos do curso em que estiver matriculado;
    IV – menor renda bruta total mensal familiar;
    V – residência não própria;
    VI – despesa com doença grave no grupo familiar; e
    VII – mais de um membro da família estudando, sem bolsa de estudo, em IES não gratuita”.

    O § 7º do artigo 7º da Portaria SESU 30/2004 estabelece, ainda, que, “no caso de candidatos com índices idênticos que se declararam da raça/cor negra, o desempate se dará primeiramente em benefício daquele cuja mãe tenha a menor renda, desde que perceba a maior renda de seu grupo familiar, seguindo-se posteriormente os incisos I a VII do parágrafo 6º deste artigo”.

    Conforme se vê da própria regulamentação infralegal do FIES, o mesmo se destina a estudantes carentes, dando-se preferência, dentre estes, aos que sejam egressos de escolas públicas, tenham a menor renda bruta familiar, não tenham moradia própria, e, portanto, efetuam gastos com aluguel, além de terem pessoas com doença grave na família.

    Nesse ponto, então, faz-se necessário retornar à questão da razoabilidade da exigência de fiador como garantia pessoal para a concessão do financiamento, sendo que a situação posta é a seguinte: o estudante de baixo poder aquisitivo, egresso do ensino médio público, de qualidade notoriamente inferior ao privado, não conseguiu ingressar no ensino superior público, mas, logrou aprovação em IES particular, cujas mensalidades são elevadas. Para custear as mensalidades, precisa recorrer a um financiamento público, no entanto, para que lhe seja concedido o empréstimo, precisa comprovar que possui idoneidade cadastral, bem assim apresentar fiador, que também tenha idoneidade cadastral e possua renda mensal igual ou superior ao dobro da mensalidade cobrada pela faculdade particular.

    A pergunta que se faz, então, é: aonde esse aluno irá encontrar o fiador que preencha tais requisitos? Ainda que encontre em sua própria casa esse fiador (pai, mãe, avós), se este vier a ter alguma restrição cadastral no curso do financiamento, aonde o estudante irá encontrar outro fiador?

    Vê-se, portanto, que não é razoável a exigência de fiador justamente daquele que somente está recorrendo ao empréstimo por não ter condições de custear o ensino superior por seus próprios meios.

    A esse respeito, há que se observar que, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 205, “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

    Ademais, a Carta Magna, em seu artigo 206, I, prevê que o ensino será ministrado com base na “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, sendo que, em relação ao ensino superior, o acesso ocorrerá “segundo a capacidade de cada um”.

    Ora, se a educação é dever do Estado, que deve garantir a igualdade de condições para acesso e permanência na escola, tem-se que tais elementos (acesso e permanência) não devem ser garantidos apenas através de critérios uniformes de avaliação da capacidade (ingresso no ensino superior através de vestibular), mas, também, por meio do fornecimento de condições materiais e financeiras para que o aluno, que já teve sua capacidade testada (passou no vestibular na IES privada), possa custear suas mensalidades, e assim, ingressar na faculdade e nela permanecer.

    Com efeito, a Lei n.º 10.260/2001 instituiu o Fundo de Financiamento de Ensino Superior (FIES), destinado à concessão, para alunos carentes, de financiamento dos encargos concernentes ao curso superior em instituições particulares de ensino.

    A norma em questão substituiu a Lei n.º 8.436/92, que cuidava do Programa de Crédito Educativo – CREDUC. Ela visa concretizar a política pública, constitucionalmente exigida, de promoção da igualdade material e democratização do acesso aos níveis superiores de ensino “segundo a capacidade de cada um” (art. 208, V, CF).

    De fato, sabe-se que dificilmente os estudantes mais pobres conseguem ingressar nas universidades públicas e gratuitas, que costumam ser as mais rigorosas nos seus processos seletivos, em razão da baixa qualidade do ensino fundamental e médio ministrado pela rede pública. Por outro lado, sem o auxílio do Poder Público, torna-se inviável para estes estudantes o custeio do curso superior em instituições privadas, tendo em vista o preço elevado das mensalidades cobradas.

    Assim, a omissão total ou parcial do Estado nesta seara alimenta o perverso mecanismo de elitização do ensino superior, que impede a ascensão social de estudantes das camadas mais humildes, frustra o desenvolvimento de vocações genuínas e congela o triste quadro de desigualdade presente na sociedade brasileira.

    Impende notar que a educação superior torna-se, cada vez mais, um requisito de fato para a plena inclusão social. Estender o seu acesso a parcelas cada vez maiores da população representa não apenas o cumprimento de uma diretriz constitucional ligada aos direitos humanos, como também um pressuposto para o desenvolvimento da Nação.

    Portanto, afigura-se vital a criação de instrumentos, como o FIES, que possibilitem o acesso dos alunos carentes ao ensino superior da rede privada, sem prejuízo da implementação de mecanismos que facilitem também o ingresso destes mesmos estudantes nas universidades públicas, como as políticas de ação afirmativa.

    Neste sentido, a iniciativa legislativa de implementação do FIES deve ser louvada. Prevê a Lei n.º 10.260/2001, no seu artigo 4º, que o fundo em questão pode financiar até 70% (setenta por cento) dos encargos educacionais cobrados dos alunos comprovadamente carentes por instituições particulares de ensino superior, que tenham avaliação positiva do MEC.

    A gestão do FIES, nos termos do art. 3º da referida Lei, cabe ao MEC, “na qualidade de formulador da política de oferta de financiamento e de supervisor da execução das operações do Fundo”, e à Caixa Econômica Federal, “na qualidade de agente operador e de administradora dos ativos e passivos, conforme as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional”.

    No entanto, a obrigação de apresentação, pelos candidatos, de um ou mais fiadores, como condição para inscrição no FIES, importa, na prática, na exclusão dos candidatos dos estratos sociais mais baixos, em franca desarmonia com o vetor constitucional que inspira o programa em questão.

    A referida exigência encontra-se fundamentada no art. 5º, inciso III, da Lei n.º 10.260/2001, segundo o qual os financiamentos concedidos com recursos do FIES devem observar “o oferecimento de garantias adequadas pelo estudante financiado”.

    Não é difícil concluir que os estudantes mais pobres – exatamente aqueles que, por imperativo constitucional inafastável, teriam de ser o foco principal de uma política pública como o FIES – muito dificilmente conseguem obter um ou mais fiadores que tenham a renda mínima exigida para a celebração do contrato.

    Com efeito, o que se verifica no presente embate, é que, pelas regras ordinárias de experiência, sabe-se que, em geral, as pessoas têm no seu círculo mais íntimo de relações outras pessoas com condição social semelhante. Por outro lado, é muito difícil que alguém se disponha a ser fiador pessoal de quem não prive da sua intimidade. Assim, é foge à razoabilidade o fato de que um estudante realmente carente logre obter um ou mais fiadores com a renda mínima necessária para ingresso no FIES. Portanto, na prática, acabam sendo alijados do programa exatamente aqueles que deveriam figurar como o seu alvo primordial.

    Por tais razões, fora instaurado no âmbito desta Procuradoria, conforme já mencionado anteriormente, os Procedimentos Administrativos nº 0.15.000.001770/2005-60, 0.15.000.001771/2005-12, 0.15.000.001796/2005-16, 0.15.000.001812/2005-62, 0.15.000.001813/2005-15, 0.15.000.001814/2005-51, com a finalidade de que a apresentação de fiadores, por parte dos estudantes, não mais fosse exigida.

    Há notícia da existência da Ação Civil Pública n.º 2003.51.01.016703-0, movida pelo Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro, com alcance nacional, através do Procurador da República Daniel Sarmento, em face da União e da Caixa Econômica Federal, tendo por objeto a dispensa da exigência de apresentação de garantia fidejussória, por meio de fiança pessoal, para os estudantes celebrarem o contrato de financiamento com recursos do FIES.

    Naquela demanda, o Juízo da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro não acolheu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela pretendida, que objetivava dar efeito à pretensão do Parquet antes da prolação da sentença.

    No entanto, da referida decisão interlocutória, o Ministério Público Federal interpôs o Agravo de Instrumento n.º 2003.02.01.010789-4, que foi distribuído à 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a qual, acompanhando o voto-vencedor do Des. Federal Francisco Pizzolante, deu provimento ao recurso, concedendo-lhe efeito suspensivo ativo, de modo a dispensar a exigência do fiador como condição para inscrição no FIES. A referida decisão teve alcance nacional.

    Naquela ocasião, asseverou o Desembargador que "se o Estado tem a obrigação constitucional de dar educação, quem tem que prestar essa garantia é o Estado, não o próprio aluno, que não tem condições de pagar. A União é que deve ser fiadora."

    Porém, não se conformando com a acertada decisão proferida pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a Caixa Econômica Federal interpôs o Agravo de Instrumento n.º 2004.02.01.008442-4, no qual restou decidido que a eficácia erga omnes da Ação Civil Pública n.º 2003.51.01.016703-0 circunscrever-se-ia aos limites da jurisdição da competência territorial da 2ª Região da Justiça Federal, que compreende os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

    Assim, o objetivo da presente demanda é tutelar o direito de acesso à educação superior de alunos carentes do Estado do Ceará, tendo em vista que, para os mesmos, permanece a exigência da apresentação de fiadores, que, por sua vez, como salientado, não mais existe para os alunos dos Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo.

    III.a) DA INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA IMPUGNADA.

    Ademais de todas as considerações expostas, cumpre aos operadores do Direito atentar para o fato de que toda a hermenêutica constitucional que se realize sob a égide da Carta de 1988 tem de partir de algumas premissas axiológicas muito claras. A Constituição de 1988 é, nas palavras do saudoso Ulisses Guimarães, Presidente da Assembléia Constituinte, a “Constituição cidadã”, porque centra suas atenções na promoção e proteção dos direitos humanos, e guia-se pelo ideal de promoção da justiça material e da igualdade substantiva.

    Este norte interpretativo revela-se de forma cristalina diante da leitura dos princípios fundamentais inscritos logo no Título I da Constituição da República. De fato, no art. 1º já se afirma, de forma emblemática, que a “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana” são fundamentos do Estado brasileiro. Logo em seguida, no art. 3º, o constituinte estabelece como objetivos fundamentais da República “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (inciso I), bem como “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (inciso III).

    A importância atribuída pelo constituinte aos direitos fundamentais evidencia-se também pelos fatos, inéditos na história pátria, deles terem sido inseridos já no início do texto constitucional, antes dos dispositivos que tratam da estrutura do Estado, e elevados à condição de cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV, CF). Portanto, o constitucionalismo brasileiro é radicalmente antropocêntrico, sendo a pessoa humana considerada como o fim, por excelência, do Estado e da comunidade política.

    É dentro deste marco axiológico que deve ser examinada qualquer questão jurídica surgida na ordem jurídica nacional. O reconhecimento da força normativa de toda a Constituição, inclusive dos seus princípios, dentro do modelo que se vem chamando de pós-positivismo, impõe a filtragem de todo o direito infra-constitucional pelos valores constitucionais. Neste contexto, para que uma norma, ou um comportamento qualquer do Poder Público seja reputado inconstitucional, e portanto inválido, não é preciso que se reconheça uma ofensa pontual ao texto de alguma regra positivada na Lei Maior. A contrariedade aos valores e princípios hospedados pela Carta Magna, explícita ou implicitamente, traduz igualmente inconstitucionalidade, devendo merecer repúdio igual ou ainda maior.

    Firmadas estas premissas, passa-se a apontar as inconstitucionalidades na exigência ora impugnada.

    III. cool.gif- OFENSA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL

    Como se sabe, no Estado Social, o princípio da igualdade não se limita à mera proibição de discriminações caprichosas. Mais do que isso, ele envolve o mandamento dirigido aos poderes públicos para que atuem no mundo concreto, no sentido da redução das desigualdades sociais e proteção das partes hipossuficientes das relações jurídicas.

    Conforme destacou Canotilho, em lição que, embora mirando o direito lusitano, revela-se perfeitamente aplicável à ordem jurídica pátria,

    “(...) o princípio da igualdade é não apenas um princípio de Estado de direito mas também um princípio de Estado social (...)
    Esta igualdade conexiona-se, por um lado, com uma política de ‘justiça social’ e com a concretização das imposições constitucionais tendentes à própria idéia de igual dignidade social (e de igual dignidade da pessoa humana) consagrada no art. 13º/2 que, deste modo, funciona não apenas como fundamento antropológico-axiológico contra discriminações, mas também como princípio jurídico-constitucional impositivo de compensação de desigualdade de oportunidades e como princípio sancionador da violação de igualdade por comportamentos omissivos” (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almeidina, 1997, p. 392-393)

    Destaque-se, por oportuno, que a igualdade material, que encontra abrigo no art. 3º da Lei Maior, recebeu específica concretização no campo do direito fundamental à educação. De fato, consciente de que a educação é vital para o livre desenvolvimento da personalidade humana, o constituinte não hesitou em proclamar, no art. 206, inciso I, do texto magno, que um dos princípios normativos que regem o ensino no país é a “igualdade de condições para acesso e permanência na escola”.

    Assim, se os princípios constituem mandamentos de otimização em favor de direitos ou interesses, que devem ser cumpridos na medida do que seja fática e juridicamente possível, é evidente que, a partir da edição do art. 206, I, da Constituição Federal, estava o Poder Público obrigado a agir concretamente visando equalizar as oportunidades de acesso ao ensino, inclusive superior.

    É certo que inexiste, na ordem constitucional brasileira, um direito público subjetivo ao ensino superior gratuito. Isto, todavia, não exclui o reconhecimento de que se impõe ao Estado a tarefa de promover, através dos meios e recursos disponíveis, a igualdade dos estudantes no acesso e permanência nas instituições de ensino superior. O princípio em questão, como de resto todos os princípios constitucionais, não constitui um mero conselho endereçado aos Poderes Públicos, desvestido de qualquer eficácia jurídica. Ao inverso, traduz imperativo normativo, que não pode ser olvidado pelo Estado, no momento de formulação das suas políticas públicas no campo educacional.

    Ora, a exigência impugnada nesta ação, de apresentação de no mínimo um fiador com renda superior a duas vezes o valor da mensalidade do curso financiado, atenta contra o princípio em tela, pois implica, na prática, em exclusão dos estudantes mais carentes. Estes, pela dificuldade quase intransponível de obtenção da garantia exigida, acabam ficando de fora, completamente alijados de uma política pública que deveria tê-los como alvo primordial.

    O problema, ao fim e ao cabo, decorre do erro de perspectiva em que incorreram as Rés, que deram à questão dos autos um tratamento inconciliável com a idéia de que a educação não constitui uma mercadoria como outra qualquer, mas sim um direito fundamental, de importância transcendente para a afirmação da dignidade da pessoa humana. Se a educação é um direito humano, e não uma mercadoria, a disciplina do FIES deveria orientar-se precipuamente para a promoção dos valores humanitários e solidarísticos que lastreiam tais direitos, e não para o viés economicista do mercado.

    Portanto, a exigência questionada afronta o princípio da igualdade material, e sua concretização no campo da educação, que é o princípio insculpido no art. 206, inciso I, da Lei Maior.

    III. c)- VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

    O princípio de razoabilidade das normas, que tem assento constitucional na cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), permite que seja aferida a conformidade dos atos do Poder Público com o senso-comum e com parâmetros de justiça subjacentes à ordem constitucional.

    De acordo com o magistério de Luís Roberto Barroso, “o princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo o ordenamento jurídico: a justiça. (...) É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar” (Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 204-205).

    Ora, no caso presente, a falta de razoabilidade da imposição da apresentação de fiador pelos alunos carentes candidatos ao ingresso no FIES é flagrante. De fato, o objetivo da instituição do FIES foi proporcionar a possibilidade de acesso à educação superior a alunos carentes, que não tiveram chance de ingressar em universidades públicas, nem possuem os recursos necessários para arcar com as mensalidades cobradas pelas instituições particulares. A exigência de apresentação do fiador frustra esta possibilidade, na medida em que a imensa maioria dos alunos mais carentes não consegue obter a fiança pessoal necessária para celebração do contrato de financiamento.

    Tal imposição, na prática, elimina do universo dos beneficiários do FIES precisamente os principais destinatários desta política pública. A exigência representa uma verdadeira traição ao espírito solidarista, de justiça distributiva, que norteia a lei questão. Há, portanto, uma flagrante contradição entre o fim perseguido pelo legislador, e a medida restritiva por ele empregada.

    Cumpre destacar que o fim da exigência da fiança pessoal não representará a “falência” do FIES. Pelo contrário, a idéia pressuposta pelo programa em questão é no sentido de que os alunos beneficiários quitarão o empréstimo contraído com os recursos advindos do exercício da respectiva atividade profissional, após concluírem os cursos financiados.

    É verdade que a ausência de fiador poderá ampliar a margem de inadimplência. Porém, cumpre não esquecer que, no caso, se está diante de um programa social, ligado à concretização de um direito fundamental, e não de um negócio financeiro como outro qualquer. A lógica utilizada deve ser a da cidadania e da inclusão social, e não a do mercado. Portanto, também por esta razão deve ser afastada a exigência de fiança ora questionada.

    III. d) - DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL

    A obrigatoriedade de apresentação de fiador, com renda mínima superior a duas vezes o valor da mensalidade do curso financiado, não figurava na disciplina do extinto crédito educativo – CREDUC, que veio a ser substituído pelo atual FIES.

    Deveras, nem a Lei n.º 8.436/92, que disciplinava o CREDUC, nem os atos normativos infra-legais que a regulamentaram impunham, como condição sine qua non para concessão do financiamento, a apresentação de fiança pessoal pelo estudante carente.

    Portanto, verifica-se que houve um nítido retrocesso social, na medida em que o Poder Público voltou atrás, neste ponto, na concretização do direito fundamental ao acesso à educação.

    Ocorre que, de acordo com a melhor doutrina, o legislador não pode voltar atrás na concretização de direitos fundamentais, sob pena de ofensa ao princípio constitucional implícito de proibição do retrocesso social. Tal princípio impede que os avanços na tutela dos direitos fundamentais, decorrentes da legislação infra-constitucional, sejam fulminados pelo legislador futuro. Ele opera como um limite heterônomo à discricionariedade do legislador, que não pode, “caminhar para trás, sobre os seu próprios passos”. Nas palavras de Canotilho,

    “O princípio da proibição do retrocesso pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efectivado através de medidas legislativas (‘lei da segurança social’, lei do subsídio ao desemprego’, ‘lei do serviço de saúde’) deve considerar-se constitucionalmente garantido sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que , sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática numa ‘anulação’, ‘revogação’ ou ‘aniquilação’ pura e simples desse núcleo essencial.’ (op. cit., p. 321)

    Portanto, a exigência de apresentação de fiador para fins de financiamento do curso superior de estudantes pobres, que importa na exclusão dos mais carentes, implica em retrocesso social, constitucionalmente vedado.

    IV - DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

    Estão presentes no caso os requisitos necessários para a concessão da antecipação da tutela postulada. De fato, a questão discutida nos autos é exclusivamente de direito, e os argumentos expendidos nesta inicial bastam para que se conclua, no mínimo, pela verossimilhança da alegação de que a exigência de apresentação de fiança pessoal no FIES é inconstitucional e lesa direitos fundamentais dos estudantes mais carentes.

    Por outro lado, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é evidente. A exigência em questão afasta, na prática, um vastíssimo contingente de alunos carentes do ensino superior. Eles serão impedidos, até o julgamento definitivo da demanda, da possibilidade de cursarem uma instituição privada de ensino superior, e o julgamento do mérito não terá como lhes restituir o tempo de estudo de que tiverem sido privados. O gravíssimo dano infligido a estes estudantes influirá decisivamente nas suas vidas, e, pela sua dimensão extra-patrimonial, não terá como ser reparado através de simples indenização a ser paga a posteriori.

    Reitere-se que o prazo para a adesão ao aditamento dos contratos de financiamento do FIES, referente ao 2º semestre de 2005, expira no dia 07 de outubro do corrente ano.

    Por outro lado, não existe perigo de irreversibilidade da medida, uma vez que será possível, a qualquer momento, cancelar os financiamentos concedidos. Ademais, cumpre não esquecer que, na esteira da orientação jurisprudencial do STJ, “a exigência da irreversibilidade inserta no § 2º do art. 273 do CPC não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina” (STJ – 2ª Turma, Resp 144.656-ES, Rel. Min. Adhemar Maciel, unânime, DJU 27.10.97, p. 54.778).

    VII - DO PEDIDO

    Em sede de antecipação da tutela, requer o Autor, no âmbito do Estado do Ceará:

    a) determinar às Rés que prorroguem, por mais trinta (30) dias, a partir da decisão, o prazo para aditamento aos contratos em vigor, abstendo-se de exigir a apresentação de fiança pessoal, como condição para a concessão do financiamento relativo ao FIES, e que, por conseqüência, aceitem a adesão ao FIES dos candidatos que cumprirem os demais requisitos previstos pelas normas pertinentes, exceto os relacionados à garantia da dívida financiada;

    cool.gif determinar às Rés que dêem ampla publicidade à eventual decisão concessiva da antecipação de tutela que venha a ser proferida nestes autos, custeando a publicação da mesma em jornais de grande circulação no Estado do Ceará, registrando-a nos sites pertinentes ao FIES que mantêm na Internet, e dando ciência do que for decidido às instituições particulares de ensino que aderirem ao programa, bem como às instituições financeiras habilitadas à concessão de financiamentos com os recursos do FIES (art. 3º, § 3º da Lei 10.260/2001).

    c) Requer, ainda, seja estabelecida multa cominatória de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia e por pessoa, no caso de retardamento do cumprimento da decisão que vier a ser proferida.

    No mérito, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL:

    d) a oitiva da União Federal, através de mandado de citação, para se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas (artigo 2º da Lei n.º 8.437/92) e, posteriormente, acompanhar a ação em todos os seus trâmites até o seu julgamento final;

    e) a citação da Caixa Econômica Federal, no endereço constante nesta inicial, para, querendo, contestar a presente ação, e acompanhá-la em todos os seus trâmites até o julgamento final;

    f) a condenação das Rés à obrigação de não exigir, para os futuros contratos dos candidatos relativamente ao FIES, no âmbito do Estado do Ceará, a apresentação de um ou mais fiadores da dívida a ser financiada;

    g) a condenação das Rés à obrigação de admitir o ingresso e a continuidade no FIES dos estudantes, no âmbito do Estado do Ceará, que não apresentarem fiança pessoal na celebração do contrato de financiamento, mas cumprirem os demais requisitos previstos nas normas pertinentes, exceto os referentes à garantia da dívida financiada;

    h) seja confirmada a tutela antecipada pleiteada;

    i) a condenação das Requeridas no ônus da sucumbência e demais consectários legais.


    Termos em que, dando à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), protesta pela produção de provas por todos os meios em direito admitidos e pede deferimento.


    Fortaleza, 03 de outubro de 2005.


    ALESSANDER WILCKSON CABRAL SALES
    PROCURADOR DA REPÚBLICA
    DOCUMENTOS QUE SEGUEM EM ANEXO:

    1 – Lei 10.260, de 12 de julho de 2001;
    2 – Portaria MEC nº 1.725, de 3 de agosto de 2001;
    3 – Portaria SESU nº 30, de 12 de agosto de 2004;
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