A Nova Lei De Lavagem De Dinheiro E O Sigilo Profissional Do Advogado

Discussão em 'Artigos Jurídicos' iniciado por rafaelnparanagua, 22 de Novembro de 2012.

  1. rafaelnparanagua

    rafaelnparanagua Advogado Correspondente em Brasília

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    Brasília-DF
    INTRODUÇÃO

    Em1998, em decorrência dos debates presentes na Convenção de Viena, o Brasilaprovou a Lei 9.613/98, tendo como principal finalidade, o combate à lavagem dedinheiro.

    Nessediapasão e partindo do conceito dado pelo COAF – Conselho de Controle deAtividades Financeiras – órgão criado pela lei supratranscrita, a lavagem dedinheiro “caracteriza-se por um conjunto de operações comerciais ou financeirasque buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório oupermanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita e que se desenvolvempor meio de um processo dinâmico que envolve, teoricamente,três fases independentes que, com freqüência, ocorrem simultaneamente.”

    Ocrime está tipificado em seu artigo 1º e parágrafos seguintes, in verbis:

    “Art. 1º -Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentaçãoou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente,de infração penal.



    Pena:reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa.



    § 1º - Incorrena mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitosou valores provenientes de infração penal:



    I- os converte em ativos lícitos;

    II- os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem emdepósito, movimenta ou transfere;

    III- importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.



    § 2o Incorre, ainda, na mesma pena quem:



    I- utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valoresprovenientes de infração penal; (Redaçãodada pela Lei nº 12.683, de 2012)



    II- participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que suaatividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstosnesta Lei.



    (...)”



    Referidalei foi modificada recentemente pela Lei 12.683/12, que dentre outros pontos,dilatou a rigidez punitiva referente àquela infração, fez constar obrigações deidentificar clientes, elaborar registros de suas atividades, mantendo os dadosem um cadastro de forma atualizada, fornecendo tais informações ao COAF.

    Alémdisso, a nova redação, em seu artigo 9º, inciso XIV, acrescentou pessoas queestão sujeitas essas obrigações:



    “Art. 9ºSujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas ejurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividadeprincipal ou acessória, cumulativamente ou não:



    (…)



    XIV - as pessoasfísicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços deassessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência,de qualquer natureza, em operações:



    a) de compra evenda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participaçõessocietárias de qualquer natureza;



    b) de gestão defundos, valores mobiliários ou outros ativos;



    c) de abertura ougestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valoresmobiliários;



    d) de criação,exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundosfiduciários ou estruturas análogas;



    e) financeiras,societárias ou imobiliárias; e



    f) de alienação ouaquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ouartísticas profissionais;



    (…)”

    Interpretandoa grosso modo, extrai-se que o advogado ou a sociedade de advogados estãodentre aquelas pessoas obrigadas a manter e fornecer informações de seusclientes, nos moldes dos artigos 10 e 11 da nova lei de lavagem de dinheiro, oque não merece prosperar.

    GARANTIACONSTITUCIONAL E LEGAL DO SIGILO ADVOCATÍCIO

    A advocacia,serviço indispensável à administração da justiça, possui garantiaconstitucional positivada no artigo 133 da Carta Magna de 1988:

    “CF

    Art. 133. O advogado é indispensável à administração dajustiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício daprofissão, nos limites da lei.”

    Porser norma de eficácia contida (aplicabilidade imediata, direta mas nãointegral, conforme nos ensina o Professor José Afonso da Silva), essa garantiapode ser restringida.

    Dentreoutras leis, a restrição abrolhou em 1994, com o Estatuto da Advocacia (Lei8.906/94), mas juntamente com ela, foi ratificada a garantia do sigiloprofissional, conforme o texto do artigo 2º da norma, in verbis:

    “LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994 - Estatuto daAdvocacia

    (...)

    Art. 2º O advogado é indispensável à administração dajustiça.

    § 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviçopúblico e exerce função social.

    § 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulaçãode decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seusatos constituem múnus público.

    § 3º No exercícioda profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, noslimites desta lei.”

    Taisdispositivos demonstram a intenção do legislador pátrio em reforçar a segurançajurídica existente nas relações entre advogados e seus clientes, no intuito demanter em sigilo as informações ali presentes, preservando o profissionalismoda relação.

    Nãosó por questões profissionais, mas também, por segurança social, pessoal e atéde caráter nacional, as informações repassadas ao advogado não podem serdivulgadas.

    Ademais,o sigilo além de direito é um dever do advogado, eis que passível de sançãodisciplinar, conforme preceitua o artigo 34 da Lei 8.906/94.

    Nessavertente, a garantia ao sigilo advocatício em suas relações profissionais émais que um direito individual, mas sim, um dever com toda a sociedade.

    Pormais que não existam direitos e garantias fundamentais constitucionais de formaabsoluta, fornecer informações de terceiros, a qualquer pessoa que seja, adepender do caso, pode violar o inciso X do artigo 5º da Carta Magna. (Proteçãoda Intimidade)

    Poresses fundamentos, aplicar a Lei 12.683/12 ao advogado é contrariar a própriagarantia constitucional e legal. Tal conduta seria no mínimo inconstitucional epor fim, ilegal.

    CONSIDERAÇÕES CRIMINAIS

    Asubmissão do advogado à nova lei de lavagem de dinheiro estará contrariandotambém preceitos criminais.

    Oartigo 154 do Código Penal tipifica tal conduta:



    Violaçãodo segredo profissional



    Art. 154 - Revelar alguém, sem justacausa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão,e cuja revelação possa produzir dano a outrem:



    Pena -detenção, de três meses a um ano, ou multa.



    Parágrafoúnico - Somente se procede mediante representação.



    Ratificando:antes mesmo da nova legislação, o advogado já possuía o dever legal de sigilo peranteseus clientes, sendo assim, revelar tais informações, até mesmo a órgãopertencente a ente estatal, poderia configurar crime.

    Algunspoderiam até argumentar que haveria justa causa (decorrente de lei) para oadvogado praticar tal delito, mas inexiste justificação plausível que seja baseadaem algo inconstitucional.

    Em termosprocessuais, destaco o artigo 157 do Código de Processo Penal, in verbis:



    Art.157. São inadmissíveis, devendo serdesentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violaçãoa normas constitucionais ou legais.



    Comodemonstrado anteriormente, a divulgação de informações com base na Lei12.683/12 por parte do advogado seria inconstitucional, por desrespeitar agarantia que lhe foi atribuída, sendo também ilegal, por ferir o seu estatuto.

    Sendo assim, aprova colhida com base naquelas informações seria inadmissível no mundo penal.

    CONCLUSÃO

    Portodos esses fundamentos, conclui-se que o profissional advocatício não estásujeito à redação dada pela nova Lei de Lavagem de Dinheiro, devendo taldispositivo, no que tange sua aplicabilidade ao advogado, ser declarado inconstitucional.



    REFERÊNCIAS

    www.coaf.fazenda.gov.br

    Lei 9.613/98

    Lei 12.683/12

    Constituição Federal de 1988

    Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94)

    Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/40)
    Fernando Zimmermann curtiu isso.
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